sábado, 27 de setembro de 2014

Meu Relógio


Nasci no interior da Bahia. Fruto de um casamento verdadeiro de pais cristãos. Nunca passei necessidade de nada e cresci nos embalos de uma família feliz e de um lar centrado. Parecia mais um cordeiro. Até que descobri no banheiro vendo revistas adultas que aquele pasto não era pra mim. Daí perdi o freio e o que acontece depois foi moldado o meu caráter.
Lar cristão o caramba. Esquece quase todo o parágrafo acima. Vou começar novamente essa história, pois não foi bem assim que aconteceu.
Meus pais nem chegaram a casar. Sou fruto apenas de uma boa trepada em um quarto alugado nos fundos de uma casa velha. Minha mãe acreditava que tinha encontrado o príncipe encantado, e bem ali, naquele quarto fedendo mofo com suas paredes úmidas ela se entregou ao meu pai como quem entrega sua alma a sabe lá quem.
Para ela era o começo de um grande sonho, para ele era somente mais gozada gostosa que não foi ao ralo do banheiro.
 O romance duraria pouco tempo. Meu pai já se programava para a viagem de sua vida. Uma viagem que mudaria nossas vidas para sempre.
Minha mãe desesperada tentou me abortar algumas vezes, mas parece que quando o destino nos prega uma peça ele não sossega até deixar tudo do jeito que quis.
Destino de bosta.
Fui forte e resistindo durante nove meses na barriga de minha mãe eu quis nascer antes do tempo. O mundo já me impressionava antes mesmo de colocar minha carinha pelas pernas de minha mãe. Então três dias antes de nascer chutei tanto a barriga dela que a coitada subiu uma ladeira imensa e bem inclinada da rua onde morávamos. Fiz durante os três dias que se seguiram e quando ela chegava ao hospital o médico filho da puta mandava voltar dizendo que não faria um parto cesariano, pois ainda não tinha rompido a bolsa. Até que no quarto dia ela bateu o pé firme e não voltando para casa fez o doutor me tirar daquela barriga com um parto cesariano mesmo, gritando como um condenado, mas feliz por ver a claridade fora da barriga. Passei longe de boceta já no meu nascimento.
Meu pai contou a ela que no dia que nasci, correu até o hospital e me viu chorando no berçário através do vidro que nos dividia. Vidro esse que virou uma vida inteira. Mas ele fez um pouco mais e me registrou como seu filho com um nome que devo agradecer todos os dias.
A vida para mim nunca foi fácil e nem lá grandes coisas. Antes eu acreditava que a felicidade existia, mas estava me iludindo que felicidade são apenas momentos bons que vivemos.
Conheci muitas pessoas bacanas na trajetória de minha vida. Fiz amigos e muitos inimigos também. Conheci muito cara bacana que viveria uma vida inteira, mas percebi que quando estamos com alguém devemos viver apenas o momento em que estamos, pois o presente sim existe de verdade. O ontem é uma merda do qual iremos nos lembrar sempre, e o futuro é somente para nos deixar malucos acreditando que ele vai acontecer.
Eu me estrepo todos os dias, mas ainda continuo inteiro. Esperando em algum momento um sinal de Deus para olhar para mim como um bom cara.
Dias sim, dias não eu vou sobrevivendo sem um aranhão da caridade de quem me detesta como já dizia o mestre Cazuza. Mas se estivesse lá no céu e alguém chegasse no celeiro das almas perguntando se eu queria nascer a resposta seria um SIM bem grande, pois o que vale é o que aprendi e quem eu realmente me tornei.
Tenho um revolver carregado de mágoas, mas também tenho palavras doces que espalho pelo mundo. Mas quem não tem nessa droga de mundo?
Mas não pense que baixei a minha guarda, pois eu ainda estou aqui para lutar pelo que quero em minha vida. O relógio ainda gira para mim, porque eu sou o cara.


Texto: Meu Relógio

De: Diógenes Ramos.


Livros - Diógenes Ramos

  • Cicatrizes - Toda Forma de Amor
  • No Meu Céu
  • O Violinista
  • O Bailarino